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É óbvio que um festival da dimensão de Cannes Lions é capaz de prover muito conteúdo inspirador e/ou realizar debates relevantes em torno da indústria de comunicação. Considerando as agências e marcas aqui reunidas, junto com seu poder para trazer grandes nomes e até celebridades, parece obrigatório tentar acompanhar tudo, certo? Errado.
Os dias são divididos em diversos seminários e workshops, muitos acontecendo simultaneamente, e naturalmente é preciso selecionar o que se quer ver. Mas mesmo escolhendo com cuidado, com foco naquilo que parece imperdível, você se depara com as irritantes palestras mídia kit.
Por estarem falando em auditórios infestados de publicitários, muitos acabam perdendo a oportunidade de realizar um momento marcante, dedicando-se apenas a auto-promoção. Sim, sei que soa irônico, afinal, estamos num evento de propaganda, mas justamente por isso é preciso fazer mais do que, bem, apenas mais propaganda.
Toda a pompa e estrutura, com olhos e ouvidos dedicados por 45 minutos, são desperdiçados com longas e aborrecidas explicações sobre como determinada plataforma ou serviço é incrível para anunciantes, ou sobre como a tal campanha fez um sucesso incrível.
Será mesmo que o YouTube precisa explicar a força de sua comunidade? Ou o Tumblr dizer que oferece soluções para agências e marcas? Tudo isso me parece tão óbvio, ainda mais para o tipo de público que gasta euros para passar uma semana na riviera francesa.
É possível aproveitar muito do conteúdo distribuído, mas invariavelmente se acaba caindo sem aviso num papo cheio de auto-elogio
Sean “Diddy” Combs veio à Cannes para vender seu canal de TV, Revolt, a MOFILM jogou fora a presença de Jimmy Walles, fundador da Wikipedia, para mostrar sua plataforma de crowdsourcing, a R/GA prometeu contar qual é “A Próxima Revolução Criativa” mas passou 50 minutos repetindo como a MasterCard é incrível.
Não serei ingênuo. Tudo mundo quer se jogar de cabeça na pequena área, e isso faz parte do jogo, mas existem modos mais sutis e eficientes de dar bola dentro. Cada agência ou grupo de mídia, por exemplo, tenta impressionar a sua maneira, geralmente trazendo famosos. Alguma vezes dá certo, como foi o caso de Lou Reed pela Grey e Conan O’Brien pela Time Warner (falarei mais sobre ele depois), outras não, como o caso de Jack Black pelo Yahoo!. Outras focam no debate, que pode ser interessante e gerar aprendizados, ou ser morno com repetição de clichês.
Já as palestras mídia kit se resumem a um conteúdo que poderia ser enviado em PDF por email, faltando apenas exibir valores no telão. Quem vende suas incríveis plataformas e cases com milhões de views se que esquece que tudo, absolutamente tudo, começou com uma boa ideia. Não importa apenas a ferramenta.
Se o foco estivesse no processo criativo, e de como a plataforma foi utilizada para alavancar a ideia, o discurso seria mais natural e convincente para quem assiste. O Twitter deu um bom exemplo com o seminário “The Social Soundtrack”, equilibrando conteúdo e promoção na medida. Deb Roy, que é cientista de dados do Twitter e professor do MIT Lab, fez uma ótima introdução falando de psicologia da memória e contexto social da rede antes de citar algum tipo de solução comercial.
Com surpreendentes infográficos animados, Deb Roy mostrou a influência e alcance de um tweet. Não é a toa que, com quase 44% da menções, essa se tornou a apresentação mais comentada de Cannes Lions até agora.
Outro acerto foi da Ogilvy, com o arquiteto e teórico holandês Rem Koolhaas, com um profundo papo sobre ambientes de trabalho criativos versus espaços organizados. Uma das poucas palestras realmente pensadas para falar de inspiração e criatividade na sua forma elementar, e não em videocases ruidosos.
É possível sim aproveitar muito do conteúdo distribuído por aqui, mas invariavelmente se acaba caindo sem aviso num papo cheio de auto-elogio e frases de efeito sacais. Esse problema passa também pelo receio que muitos devem ter de entregar algum “segredo” ou de propor temas e fazer perguntas que gerem algum tipo de desconforto. Fica tudo dentro de uma zona de segurança que impede a discussão do que realmente interessa. A sensação que fico, findo o quinto dia de evento, é que grande parte dos palestrantes olha para a platéia e só consegue enxergar cifrões ambulantes.