- Cultura 3.jun.2016
“Warcraft” parece feito para agradar fãs antigos, mas não para conquistar novos
Fã confesso de “Warcraft”, o diretor Duncan Jones desperta no espectador a vontade de revisitar a série de jogos — mas não necessariamente de insistir na franquia no cinema
Em muitos sentidos, “Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos” marca um momento importante na carreira de seu diretor, Duncan Jones. Reconhecido no circuito independente e elogiado pela crítica graças a “Lunar” e “Contra o Tempo”, dois roteiros originais de ficção científica levados às telas com orçamentos modestos para o gênero, o cineasta agora se torna parte de uma franquia milionária, baseada em um videogame de sucesso que conta com uma legião de fãs bem consolidada, da qual ele mesmo faz parte.
A mudança de escala é significativa, mas os desafios não se concentram somente no tamanho do projeto e nas demandas geradas pelo grande volume de efeitos digitais, suas realizações mais evidentes. Dois outros aspectos são relevantes nesse processo: uma espécie de maldição das adaptações de jogos e a própria natureza de “Warcraft”.
Jones parece ciente dos obstáculos: “O histórico recente de filmes baseados em videogames é complicado”, ele reconhece. Em retrospectiva, experiências desastrosas como “Mortal Kombat”, “Street Fighter” e “Prince of Persia” são parte da regra, não das exceções. Diante dessa realidade, a missão do diretor consiste em construir um universo de fantasia interessante o suficiente para atrair não-familiarizados e, a partir daí, deixar que personagens e trama conduzam o público adiante.
Nesse sentido, o sucesso é relativo. O visual dos mundos de Draenor e, principalmente, Azeroth segue os moldes de outros exemplares da categoria: a computação gráfica cria espaços enormes e os preenche com cores e formas exuberantes, formando desde vales arrasados e montanhas congeladas até escadarias em mármore e castelos imponentes. Em termos de proporção, as imagens remetem tanto à construção da natureza de “Avatar” quanto às edificações da Terra Média de “O Senhor dos Anéis”, mas o pouco frescor alcança resultados menos inspirados, como uma versão aprimorada de “Dungeons & Dragons” que nunca decola.
Passeando pelos cenários, a câmera até consegue oferecer profundidade e imersão, mas jamais se desvencilha desse aspecto derivativo. O encanto da descoberta é praticamente inexistente, porque algo muito parecido com o que está em tela já foi visto e revisto à exaustão. Há, ainda, uma estranha sensação de que o filme busca disfarçar seus efeitos computadorizados com o intuito de criar certo realismo ao mesmo tempo em que tenta emular a aparência dos videogames, que seguem um caminho bastante diferente.
O encanto da descoberta é inexistente, pois algo muito parecido com o que está em tela já foi visto e revisto à exaustão
Uma vez estabelecidas as bases desse universo, porém, Jones tem a oportunidade de trabalhar seus personagens e colocá-los em ação. Novamente, méritos e deméritos se assemelham em quantidade. Criados com o auxílio de tecnologia de captura de movimentos, os orcs são mais do que simples monstros. Esse é um traço que não existe apenas no roteiro, com suas tentativas de humanizar as criaturas não-humanas, sobretudo Durotan (Toby Kebbell) e Draka (Anna Galvin), mas também em termos de movimentação, trejeitos e demais elementos de sua construção física — essa é uma vantagem do longa em relação a seus pares.
Assim como nos jogos, não há distinções muito demarcadas entre heróis e vilões
Por outro lado, é terrível a direção dos atores que surgem em carne e osso, sem o disfarce de apetrechos digitais e grandes dentes postiços. Lothar (Travis Fimmel) é um herói insosso, um sub-Aragorn que funciona pouco no drama e menos ainda no humor; Medivh (Ben Foster) passa tanta credibilidade como sábio protetor quanto Llane Wrynn (Dominic Cooper) na condição de rei; e Khadgar (Ben Schnetzer), embora tenha um pouco mais de carisma, cumpre apenas seu destino óbvio como jovem aprendiz alçado à centralidade na trama.
É uma pena que o tom do filme seja tão irregular, contribuindo para desperdiçar uma série de dinâmicas promissoras. Sua origem nos videogames, mencionada anteriormente como um dos fatores determinantes na produção, é merecedora de destaque especial nesse sentido. Em “Warcraft”, o jogador pode controlar qualquer tipo de personagem, sem distinções muito demarcadas entre heróis e vilões. Por essa razão, Jones conscientemente estrutura o roteiro (ao lado de Charles Leavitt) de modo a conferir atenção similar a orcs e humanos.
Embora seu esforço seja visível, Duncan Jones não consegue conferir carga dramática ao material
O paralelismo existente entre as duas espécies tem seu valor. As relações entre pais e filhos, guerreiros e tropas, força bruta e magia — que existem em ambos os lados — são o que o longa tem de melhor. No entanto, essas questões sofrem pelo ritmo oscilante da narrativa, que abandona lutas durante o clímax para se dedicar a subtramas absolutamente desimportantes, em decisões que enfraquecem tanto a guerra quanto o que existe além dela.
Tais elementos se atropelam constantemente, despejados aos montes sem que seja dado o tempo necessário para sua compreensão. Em certo sentido, parecem ser apenas possíveis caminhos para a franquia em eventuais continuações, faíscas que o filme, indeciso, nunca transforma em fogo. Além disso, o elo de ligação entre os povos, a mestiça Garona (Paula Patton), não justifica sua relevância como personagem, servindo somente como acessório.
É surpreendente, em um sentido bastante negativo, que Jones não consiga conferir carga dramática a esse material, repetindo o que havia realizado em situações ainda mais complicadas, como uma história de um homem só (“Lunar”) e uma mini-trama em loop (“Contra o Tempo”). Embora seu esforço seja visível, aparente tanto nas escolhas mais básicas de roteiro quanto na formatação da ação, a soma dos fatores é mais monstruosa do que humana. No fim das contas, a vontade que o filme desperta não é de revisitar a franquia nos cinemas, mas de retornar aos jogos já conhecidos — esses, sim, sinônimos garantidos de diversão.