Como a obsessão pelo produto perfeito matou Duke Nukem
Após 14 anos em desenvolvimento, “Duke Nukem Forever” finalmente chega às lojas. E com uma história tão problemática, certamente poucas pessoas ainda acreditavam que a sequência pudesse se equiparar ao impacto causado em janeiro de 1996, quando “Duke Nukem 3D” começou seu caminho para as 3.5 milhões de cópias vendidas.
DNF pode ter seu valor como nostalgia, mas está apanhando feio da crítica especializada e dos fãs pela combinação bizarra de falta de inovação, jogabilidade burocrática, linearidade e visual datado, em que nem o bom humor politicamente incorreto do personagem salva.
Um final triste – ainda que com o fim do mistério – para a criação de um cara que só queria que o seu jogo fosse perfeito. George Broussard, co-fundador da 3D Realms, vê agora que sua constante pressão por mudanças e melhorias não só drenou 20 milhões de dólares de sua conta bancária, como pode ter enterrado uma franquia promissora.
É uma história que passou por todos os elementos sujeitos a quem trabalha com criatividade. A briga clichê “criativos vs. executivos”, a falta de disciplina com o dinheiro, disputa de egos, funcionários insatisfeitos com a postura do chefe, falta de organização e, principalmente, nenhuma resposta para a pergunta: Quando a criação está boa e refinada o suficiente para ser colocada na rua?
Todos nós já vivemos isso no trabalho. A busca pelo projeto sem falhas, melhor do que os concorrentes, aquela ideia que vai nos colocar no topo e por muito tempo não poderá ser superada por ninguém. Mas no caso de George Broussard, o desejo pela perfeição virou obsessão, tornando-se o principal motivo do fracasso que agora fica claro.
A 3D Realms foi fundada, como uma divisão da Apogee Software, por Broussard em sociedade com Scott Miller, programador que inventou o modelo shareware de se vender games: Ele dividiu um jogo em vários pedaços, lançou o início de graça em BBS’s, os jogadores viciaram, e então cobrou pelas partes restantes. Modelo esse que também seria fundamental para “Duke Nukem 3D”.
Segundo contou Clive Thompson para a Wired no ano passado, os dois tem personalidades completamente diferentes. Enquanto Miller faz o tipo quieto e pensativo, Broussard é o típico empresário criativo e enérgico, cuja presença é impossível de não ser notada, conhecido por andar de um lado para o outro apenas com um caderno como ferramenta de trabalho.
Juntos, os dois publicaram “Wolfenstein 3D” em 1992, criado por, até então, um pequeno estúdio chamado id Software. Era o primeiro game a permitir que os jogadores percorressem um ambiente 3D em primeira pessoa atirando nos inimigos. Tornou-se um hit revolucionário, que definiu um genero, vendendo 200 mil cópias.
A partir disso, a 3D Realms deixava de ser uma start-up para se transformar em uma corporação, ansiosa para produzir o seu próprio título em três dimensões. Com uma equipe de sete pessoas, Broussard e Miller começaram a dar vida a um personagem que seria “uma mistura de John Wayne, Clint Eastwood e Arnold Schwarzenegger”, existente ainda com pouca personalidade nos dois títulos de plataforma originais: “Duke Nukem” e “Duke Nukem II”.
Após um ano e meio em desenvolvimento, “Duke Nukem 3D” foi lançado, fazendo da dupla os novos milionários do mercado. Com o sucesso, Broussard logo anunciou que uma sequência entraria em produção, com previsão de lançamento apenas para um ano depois, no natal de 1998. Ele falava em franquia, em Duke Nukem se transformando em uma espécie de James Bond dos games, um personagem que estrelaria um jogo novo todos os anos.
Acontece que Broussard nunca esteve satisfeito com seu produto, e um dos motivos foi a tentativa de seguir o avanço da tecnologia no final da década de 1990. A medida que processadores e engines mais avançados eram divulgados, Broussard alterava o rumo de sua equipe de desenvolvimento.
A id Software, que agora era sua concorrente, tinha acabado de lançar “Quake II”, que fez “Duke Nukem 3D” se tornar obsoleto instantaneamente. Com um valor revelado apenas como “um caminhão de dinheiro“, a 3D Realms comprou a licença do engine de “Quake II”, e começou daí a produção de “Duke Nukem Forever”.
Não demorou muito, e imagens e trailers foram divulgados para a imprensa. Tudo parecia normal para um cronograma padrão de desenvolvimento, mas nos bastidores Broussard demonstrava impaciência. Buscava pelo realismo máximo, e correndo atrás da tecnologia tomou uma das decisões mais insanas da história dos games: Decidiu abandonar o engine de Quake II em troca do concorrente Unreal, da Epic Games.
O atitude não só demandaria muito dinheiro, como obrigou a equipe de programadores a recomeçar o projeto do zero. Isso não era visto como um problema para Broussard, se significasse melhores e imbátiveis gráficos em seu produto. Ele simplesmente não poderia tolerar que “Duke Nukem Forever” fosse lançado sem utilizar a mais atual e avançada tecnologia, superando qualquer outro game já lançado.
Qualquer boa ideia ou ferramenta que surgisse em outro jogo, Broussard mandava sua equipe aprender e fazer melhor. E assim, sua vontade de sempre atingir o próximo nível, fez com que o lançamento de DNF fosse sempre adiado, virando motivo de piada e apelidado de vaporware. Ficou marcada também a época em que a 3D Realms se cansou das cobranças em cumprir o prazo, e disse que a nova data de lançamento seria: “Quando ficar pronto…”.
Já era final de 1999, e DNF ainda parecia muito longe de ser completado quando, mais uma vez, o engine foi alterado. Broussard não hesitou em licenciar a nova versão de Unreal, que agora permitia partidas multiplayer. DNF utilizava tecnologias incríveis, mas não era um jogo, apenas uma série de demonstrações técnicas caóticas.
Amparados pela vendas massivas de “Duke Nukem 3D”, Broussard e Miller não precisavam se preocupar com dinheiro, e isso acabou com toda a disciplina. Eles mesmos financiaram o projeto, sem depender do investimento inicial de uma distribuidora, como normalmente acontece no mercado.
Para ajudar com o marketing e distribuição, escolheram a GT Interactive (recebendo apenas 400 mil dólares de adiantamento), e que mais tarde foi comprada pela gigante Take-Two Interactive (hoje 2K Games), famosa por ter lançado os jogos da série Grand Theft Auto.
A Take-Two, cansada de tantos adiamentos, resolveu pressionar a 3D Realms. Broussard queria o jogo perfeito, mas a distribuidora precisava colocar CD’s em caixinhas de plástico e mandar para as lojas o mais rápido possível. Broussard e Miller não cederam e empinaram o nariz para todo o sistema.
Broussard berrou aos quatro ventos que era o seu dinheiro e tempo que estava sendo gasto em DNF, e que se quisesse poderia ficar mais cinco anos sem lançar um jogo. A única pressão que tolerava era dos fãs, e na E3 de 2001 mostou mais um trailer. Seria a primeira aparição de DNF após três anos sem novidades.
O vídeo impressionou, e Broussard parecia ter atingido o seu objetivo: Tinha em mãos o game mais realista e espetacular já feito. Acontece que ainda não existia nenhum sinal de terminar o projeto. Broussard nunca chegou para sua equipe e disse a esperada frase: “Ok pessoal, é isso. Está ótimo, vamos lançar!”.
Então imagine o que acontece com uma equipe de 18 funcionários, muitos deles trabalhando no mesmo projeto durante toda a carreira profissional, e que continuavam sem nenhuma perspectiva de ver o sua obra ser lançada e poder colocar algo no currículo.
A debandada levou a maioria dos designers para produtoras concorrentes, e para segurá-los, Broussard ofereceu divisão nos lucros quando DNF fosse lançado. Sabendo do restante da história, hoje você daria risada dessa proposta, certo?
No final de 2006, com a relação com Scott Miller já desgastada e decidido a finalmente colocar DNF nas ruas, Broussard começou a contratar aos montes. Queria ajuda eficiente e rápida, praticamente dobrando a sua equipe para 35 funcionários.
Mas não era na quantidade que essa iniciativa se tornaria crucial, e sim em um nome específico: Brian Hook. Contratado para liderar a operação, abaixo de Broussard, foi o primeiro e único a peitar o chefe. Hook contestou as decisões de Broussard, negando a maioria dos constantes pedidos de alterações no projeto. Quando Broussard reclamou, Hook bateu o pé, e foi o primeiro funcionário a se colocar entre o chefe e seu amado game. Só assim foi possível avançar no desenvolvimento.
Quando tudo parecia finalmente no rumo, Broussard levou o golpe fatal em 26 de janeiro de 2009. Ele partiu para Nova York com uma cópia de “Duke Nukem Forever” debaixo do braço para mostrar aos executivos da Take-Two Interactive. O motivo: Pedir 6 milhões de dólares para finalizar o jogo.
O dinheiro da 3D Realms tinha acabado, e Broussard teve que se inclinar para a distribuidora que tinha torcido o nariz até então. Acontece que a Take-Two ofereceu apenas 2.5 milhões de dólares, contra-proposta rejeitada de imediato por Broussard e Miller.
Com a falta de acordo, a 3D Realms dispensou sua equipe e fechou as portas, não antes de Broussard e Miller serem processados pela Take-Two devido a incapacidade de entregar o produto combinado e quebra de contrato.
Em agosto de 2010, Broussard e Miller aceitaram passar o bastão para outra produtora, a Gearbox Software – responsável pelo ótimo “Borderlands” e pelas expansões de “Half Life” – abrindo mão de qualquer envolvimento e decisão posterior.
Com sua equipe de 70 pessoas, a Gearbox finalizou e lançou DNF em menos de um ano, realizando aquilo que parecia impossível: Passar em uma loja, ver o jogo na prateleira e poder levá-lo pra casa. Porém, cada um de seus conturbados anos, interrupções e mudanças na estrutura corporativa serão sentidas pelo jogador ao longo das fases.
O final frustrante dessa história talvez não signifique o fim da franquia, algo que só poderá ser analisado após os números iniciais de vendas de DNF. E se a qualidade do jogo não lhe dá motivos para comprar, talvez poder testemunhar o que afinal aconteceu com esse importante período da indústria dos games possa servir de incentivo.
O que fica de aprendizado é que o medo de falhar e a obsessão pelo produto perfeito podem ser perigosos. No caso de George Broussard e Scott Miller, houve o agravante de tentar superar o primeiro sucesso, algo que já vimos diversos artistas falharem.
Lembre-se: Quando você tiver uma boa ideia, é preciso saber a hora de deixá-la andar com as próprias pernas.