“Tem um momento que a guerra invade todas nós” diz diretora de “Baronesa”
Entrevistamos a diretora Juliana Antunes sobre o filme que ganhou todas as atenções no Festival de Tiradentes e estreou esta semana nos cinemas brasileiros
“Baronesa” chegou ao mundo estourando. Depois de sete anos de desenvolvimento, o filme estreou no Festival de Tiradentes do ano passado sob muitos aplausos e fortes elogios, sendo pouco depois consagrado pelo evento com o seu principal prêmio. O Troféu Barroco de Tiradentes, porém, seria só o começo da carreira da produção comandada por Juliana Antunes, que com um orçamento minúsculo foi capaz de coletar honrarias em mostras que vão da Argentina até o distante continente asiático.
Esta recepção, entretanto, não surpreendeu tanto a realizadora. “É claro que não esperava tanto do lado internacional” ela declarou em entrevista ao B9, “mas foi um filme que a gente deu muito sangue. É um projeto muito sincero, muito honesto, muito feito na raça e que a gente esperava ter um trabalho forte”. Agora que encerrou sua carreira pelo circuito de festivais, “Baronesa” agora encara sua primeira semana no sistema comercial, abraçado pelo patrocínio do projeto Sessão Vitrine Petrobrás neste momento tão vital e importante que é enfrentar um público maior, mais vasto e ainda pouco familiarizado com o filme, que trata do duro cotidiano permeado pelas guerras do tráfico nos bairros da periferia de Belo Horizonte sob a ótica das mulheres que o habitam.
Aproveitando da passagem da diretora por São Paulo para divulgar o longa, nós conversamos com Antunes para conversar sobre o longa, desde sua gênese como um projeto e um TCC de faculdade até a grande recepção em Tirandentes, discutindo ainda momentos chave de sua narrativa e o difícil cenário de violência que a cineasta e sua equipe adentraram ao decidir realizá-lo.
Antes da gente começar a falar sobre o filme, eu queria saber mais sobre o processo de desenvolvimento, porque acho fascinante que ele tenha começado como um TCC. Como surgiu a ideia deste projeto?
O projeto começou na verdade como um exercício de faculdade que foi se tornar um TCC, e toda esta ideia surgiu de uma curiosidade que eu tinha quando era estudante de cursinho, de ver o tanto de ônibus no centro de Belo Horizonte com placa com nome de mulher que sempre ia para a periferia. Quando tive matéria de documentário na UNA eu comecei a entrar nestes ônibus com os amigos que não eram da faculdade e pesquisar estes bairros, e foi aí que eu percebi que não queria fazer um documentário completamente. Fui fazendo uma pesquisa de anos e anos, tanto de atrizes que estariam no filme quanto de método e tudo, até chegar ao final.
Então o projeto surgiu destas viagens?
As viagens eu comecei a fazer na faculdade, o cursinho foi a época em que eu cheguei a Belo Horizonte vinda de Itaúna e percebi este deslocamento. Mas havia este desejo em registrar a mulher da periferia, e aí o tempo e a imersão foram dando o tom do filme, que a princípio se tratava de mulheres que trabalhavam em um salão de beleza para no fim se tratar de uma guerra.
Como você encontrou estas duas mulheres que protagonizam o “Baronesa”?
Pesquisando. Pesquisando muito, loucamente. Eu ia nos salões, procurava estes serviços.
O quanto do TCC foi pro filme no fim?
O TCC foi realmente só a parte da pesquisa destes ônibus, a partir daí o filme foi sozinho.
“Baronesa” fez sua estreia no Festival de Tiradentes do ano passado, onde ganhou o principal prêmio, e desde então vem acumulando reconhecimentos e elogios por onde passa, inclusive na esfera internacional. Você esperava toda esta comoção em torno do longa?
Sim. É claro que não esperava tanto do lado internacional, mas foi um filme que a gente deu muito sangue. É um projeto muito sincero, muito honesto, muito feito na raça e que a gente esperava ter um trabalho forte, afinal, foram sete anos de desenvolvimento com metade do orçamento de um curta-metragem.
Quanto tempo duraram as filmagens?
Foram seis meses. Tem muito mais material de muitas outras mulheres que não entrou no corte final, mas o que está no resultado final foram seis meses.
Entrando no filme agora, ele abre com aquela cena da mulher dançando funk. Como surgiu esta cena e por que começar o filme daquela forma?
Eu quis fazer um prólogo que enfocasse esta questão do corpo. O que as pessoas do Baronesa estão colocando o tempo inteiro à prova? O corpo. Tem a ver também com o olhar de uma diretora lésbica, sobre como e até que ponto filmar, tinha uma relação de filmar o funk e tudo… eu não filmei esta cena já pensando que ela seria a abertura do filme, foi uma decisão de ritmo de montagem no fim.
Existem vários momentos no filme que partem de situações difíceis, especificamente quando se tratando da violência cotidiana daquelas regiões – por exemplo aquela cena da protagonista dando uma bronca no filho e você enquadrando uma criança que ouve tudo do lado de fora. Mesmo que tenha muito de um relato ficcional nesta narrativa, como foi trabalhar estes momentos?
Este momento que você citou realmente é documental, uma das poucas cenas que tem esta identidade real porque a gente ensaiava, reensaiava, gravava e regravava. Aquela cena não, o depoimento posterior da Andréia foi super ensaiado, mas o momento da bronca foi real e fui eu que filmei inclusive.
Aquela cena é o seguinte, a Andréia [a protagonista] está contando uma história e as crianças tão num momento de descoberta da sexualidade que é normal para a idade delas. Mas a Andréia reage de uma maneira muito violenta àquilo por conta da violência que foi feita com ela a vida inteira. Se a gente está aqui e você joga o meu óculos no chão, você vai falar “desculpa” e eu vou responder “tudo bem”, o que é muito diferente numa atmosfera muito violenta. Se a gente estivesse no limite e estivesse tão claro que ninguém pudesse enxergar nada eu ia te dar um soco na cara. Mas a gente não está numa situação limite de vida, o que é muito diferente de um filme ambientado naquela situação. Eu sempre me perguntava da onde vem e para onde vai a violência; é o que guiou o filme e a montagem, e eu precisava muito desta cena em que a Andréia tinha que devolver esta violência. É uma situação comum, que a maioria das pessoas passa e envolve a descoberta da sexualidade, mostrando uma situação que infelizmente é muito comum no mundo – no caso, a violência contra a mulher – só que recebida ao extremo.
Nesta questão da violência, há obviamente a cena do tiroteio, que é um dos pontos mais fortes do filme. O que acho curioso desse momento é que você corta esta cena de uma forma até abrupta para uma cena em que a Andréia está em uma estrada de terra e encara de longe sua cidade. Como você chegou a esta decisão na montagem?
O que você bota na montagem depois de um tiroteio? Essa é a primeira pergunta, o que vem depois disso. E a resposta é a mudança dela, vem isso, a utopia. E foi isso que definiu, porque você está ali, você cria esta atmosfera da guerra o tempo inteiro, e tem um momento que a guerra invade todas nós, tanto quem filma quanto quem é filmado.