- Negócios 27.mar.2019
Como a sede por se posicionar tem gerado um branding mentiroso
Querendo estabelecer vantagens competitivas e discursos que tenham afinidade com públicos específicos, marcas têm enganado o consumidor
As teorias mais clássicas e contemporâneas do branding (‘desenvolvimento de marca’) sempre reforçam a imagem de marca conectada a uma dinâmica que a coloca como emissora de sua identidade e o consumidor como receptor de sinais e mensagens. Neste sistema, cabe ao consumidor decodificar esses sinais por meio de produtos, serviços e programas de comunicação da marca. Assim, a identidade é construída de modo a se refletir em imagem, a partir de ações.
Levando-se em conta que uma marca acaba tendo diferentes consumidores com diferentes perfis, é estratégico que seja delineado o público-alvo de modo que a mensagem a ser emitida possa ser desenhada para ser a mais efetiva possível, a fim de atingir tal público de forma assertiva.
Tudo isso porque um indivíduo-consumidor só desenvolve memória de marca a partir de uma experiência emocionalmente positiva — seja ela uma peça publicitária marcante, um produto geracional, uma loja-conceito ou uma conversa memorável nas redes sociais.
Indo um pouco mais a fundo, a gente chega na questão do posicionamento. Se a imagem de marca é um conceito teórico que fala da questão marca/consumidor, o posicionamento é um conceito que acrescenta um elemento nessa fórmula: marca/concorrência/consumidor. Desse modo, o posicionamento de marca está relacionado à diferença que uma marca possui, na mente e nas escolhas do consumidor, ante às outras marcas da mesma categoria.
Em resumo, o posicionamento de marca é composto pela promoção de sua vantagem competitiva, o delinear de um determinado público–alvo, uma proposta de valor ou propósito e uma constante régua de comunicação.
É aqui que chegamos a uma questão bastante delicada nos dias de hoje.
Em busca desse posicionamento, temos visto marcas surgirem, nos anos 2000, sedentas por se posicionar no mercado e forjar sua comunicação em uma vantagem competitiva ou em uma espécie de narrativa que converse com um público específico, muitas vezes fruto do zeitgeist , o espírito do tempo ou de uma era. E nesta missão, algumas marcas têm incorrido em erros gravíssimos.
Uma tendência marcante deste processo é confundir a construção de uma narrativa de marca com um discurso ficcional. Dois vergonhosos exemplos recentes disso são a marca de sucos Do Bem e os sorvetes Diletto. O suco de caixinha se dizia supernatural, orgânico, com pouca ou quase nenhuma interferência industrial em seu processo e ainda chegou a dizer que o seu suco de laranja era fornecido por um suposto Seu Francisco. Essa narrativa foi desmascarada pela revista Exame, o que rendeu à marca um acionamento do Procon-RJ, ameaçando multa de R$ 7 milhões.
No caso dos sorvetes Diletto, dois ex-publicitários (poxa vida, hein!?) se uniram para colocar no mercado o que seria a receita trazida da Itália pelo nonno Vittorio, o suposto avô de um dos donos da marca.
O Conar (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária) abriu processo para julgar a atitude tanto da sorveteria quanto da marca de sucos.
Mais recentemente, o mercado brasileiro viu a chegada da marca inglesa Simple, parte do portifólio da Unilever. Diferente das marcas citadas anteriormente, a Simple não trouxe artifícios de storytelling (verdadeiros ou falsos) para a sua narrativa de marca. Mas ainda assim, tem se mostrado duvidosa em seu discurso.
Simple é uma marca de cuidados com a pele, tal qual a Neutrogena, mas tem como “diferença” o fato de se posicionar (olha ele aí!) como uma marca de produtos “suaves”, que são “gentis com a sua pele”. Quando vi o corner da “novidade” em uma farmácia, achei interessante: produtos tecnológicos, mais naturais e a preços mais acessíveis. Comprei sabonete facial, um desodorante e um tônico de limpeza. Poucos meses depois, descobri que caí no conto de um discurso de marca que, até o momento, tem parecido bastante oportunista e desonesto.
Dia desses, resolvi olhar, enfim, a composição dos produtos e… bang! Três parabenos. Três! O desodorante? Com alumínio. …sendo que a Dove, da própria Unilever, já comercializa desodorantes sem o metal pesado, na Alemanha. Uma marca que se apresenta como natural fazendo você passar parabenos (sabonetes e tônicos) e silicone (nos hidratantes) na cara. Isso não pode estar certo…
No evento de lançamento, duas atrizes globais (Giovanna Lancellotti e Juliana Paiva), em seus papéis, professavam o texto que destacava os benefícios para a pele de um produto natural e acessível. Neste mesmo evento, quando questionada sobre os ingredientes, a engenheira da marca, presente, alegou que “precisa conservar e líquido, que pode contaminar muito fácil”. Em contraponto, lhe foi dito que “existem conservantes para líquidos que não são parabenos”. Em resposta a isso, o que se ouviu da engenheira foi que “esses são os três parabenos mais inofensivos”.
Se este é o argumento e esta foi a necessidade industrial, então não tenha o elemento “natural” como pedra-fundamental da sua marca e de sua narrativa. É preciso ser honesto com o consumidor na hora de estabelecer um posicionamento de marca.